quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Cada povo tem o governante que merece. Será?

Não há uma conversa sobre política que passe sem que algum mais entendido a pronuncie. É uma espécie de xeque-mate: a frase é minha, disse primeiro, ninguém tasca; o mérito é meu, os outros que se rendam. Argumentos outros vão por terra ante tão elevada perspicácia.
Sem muito pensar, poderíamos dizer que essa é a frase que tende à unanimidade. Verdade dita de maneira curta e grossa. A súmula que tão bem traduz a realidade brasileira. No entanto, se analisarmos com acuidade, veremos que ela esconde mais do que revela.
Comecemos com a minoria, os governantes.
O período áureo das escolhas livres é o que nos interessa aqui. Deixemos os nossos reis e rainhas descansarem em paz. É certo que nós, brasileiros, temos tido péssimos exemplos ao longo de nossa história democrática. Que também não é tão longa assim, mas apesar de curta, faz a felicidade dos colecionadores de escândalos sobre corrupção e desmandos. Isso apenas com o que veio à tona. Não computamos aqui os bem-sucedidos, os criminosos perfeitos, inalcançáveis.
Ainda hoje, passados mais de 500 anos, tentam culpar os hábitos trazidos do império. Por pior que pareça, esses astutos continuam enganando o povo, detendo o poder para fazer o bem a si e aos seus. Talvez tenham sido os verdadeiros criadores dessa máxima magnífica. O dominante diminuindo ainda mais o dominado.
Finalmente, falemos do maior atingido, o povo.
Que povo será esse a quem se refere tal sentença?
Se imaginarmos como povo todo aquele diferente de nós e que não comunga das mesmas opiniões, poderíamos dizer que conseguimos um bom xingamento contra eles, sem sair do salto alto, uma bofetada com luvas de pelica. Saímos justificados proferindo-a.
Se nos incluímos no conceito povo, a história é outra. Nos sentiremos ofendidos e revoltados ao mesmo tempo, sabendo que não contribuímos para o estado de coisas que vivemos, muito menos pelas falcatruas que pululam as páginas policiais.
Se, por fim, pensarmos nas pessoas e populações mais humildes como povo, ficaremos ainda mais chocados ao imaginar que elas, justo elas, devem merecer os governantes que aí estão.
Será mesmo que aquela população ribeirinha, vivendo em palafitas, à mercê de toda espécie de contaminação, claramente esquecida da sociedade do consumo, tem o prefeito que merece?
Será mesmo que tantas crianças, jogadas nas ruas, tendo apenas um papelão sujo pra dormir, merecem os governadores que as ignoram?
Será mesmo?
Ao acatarmos essa sentença como verdadeira, estaremos concordando que além desses governantes cometerem inúmeros atos ilícitos, nós, o povo, temos de reconhecê-los como a um espelho, reflexo de nós mesmos, merecedores, portanto, do que quer que dali venha. É como dizer que os homens são machistas por culpa das mulheres, que os negros que lutam por seu espaço são os maiores discriminadores de si mesmos.
Precisamos reconhecer, sim, o discurso conveniente da minoria dominadora antes de sair por aí reproduzindo inconsequentemente falsas verdades.

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